Entrevista Stephanie Silva

DESIGN

Stephanie Silva é licenciada em Design de Comunicação e Equipamento no Instituto Universitário de Arte, Tecnologia e Cultura  (M_EIA), em Mindelo, Ilha de São Vicente, onde exerce a atividade como designer desde 2015. Nesta entrevista, a designer partilha a experiência do seu projeto em progresso “Fashion Matters” que procurou resgatar a profissão de costureira e empoderar as mulheres da comunidade piscatória de Salamansa, na Ilha de São Vicente, tendo sido concebido para ser posteriormente replicável nas outras ilhas com outras comunidades desfavorecidas.
Tens exercido a tua atividade de designer em Mindelo em que área?
Em design gráfico, produto e de moda. Em design de moda, tenho feito calçado, joias, em design de produto tenho feito acessórios de madeira, tenho usado rolhas, tenho feito cabides, mas foco-me mais no design gráfico e de moda. Criei um linha de roupa minha, no ano passado realizei a primeira fase de um projeto, chamado Fashion Matters relacionado com essa linha e este ano estou a realizar a segunda fase do projeto.
O projeto é só teu?

Sim. Foi projetado para as comunidades caboverdianas, principalmente as piscatórias, por causa das minhas origens: a minha mãe, as minhas irmãs, a minha avó, nasceram em Salamansa. Foi financiado pelo Ministério da Cultura que financia projetos que tenham um impacto cultural e que contribuam para o desenvolvimento cultural, social e turístico do país. Então, decidi concorrer a um edital que fazem anualmente desde há três ou quatro anos. O meu projeto foi selecionado e obtive um financiamento. Apesar de o projeto poder não ter a durabilidade de um ano, o financiamento é anual. Assim, este ano voltei a concorrer e fui de novo selecionada e desta vez o projeto vai ser realizado na Ilha de Santo Antão. É o mesmo projeto mas, cada fase de um ano, é numa ilha diferente, pois gostaria de o realizar em todas as ilhas… 

O projeto do ano passado foi realizado aqui, na Ilha de São Vicente?

Sim, na comunidade de Salamasa. O alvo são as comunidades piscatórias porque 90% das mulheres das comunidades dependem dos homens. Normalmente os homens saem e trabalham em barcos de pesca. Alguns chegam a passar meses fora e as mulheres ficam em casa a tomar conta dos filhos e da casa. Não têm fontes de rendimentos porque não trabalham, dependem apenas dos homens. Eu não pretendo mudar essa realidade das comunidades, mas gostaria que tivessem outra opção, como eu tive.
A minha família é constituída maioritariamente por mulheres e nunca houve assim repressões. O meu objetivo é empoderar as mulheres neste meio em que estão inseridas, capacitá-las. O projeto passava por várias etapas: a primeira, na área de costura, pois um dos objetivos era resgatar a costura que entrou em decadência por causa do Fast Fashion. As participantes tiveram um mês e meio de formação na área da costura ministrada por Teodora Neves, que tem mais de trinta anos de experiência nessa área, na OMCV, Organização de Mulheres Cabo-Verdianas (fig. 1).

Fig. 1 – Formação Corte e Costura, projeto Fashion Matters, 2019

Como é que as participantes se deslocavam para lá?
O projeto tinha transporte. No fim foi apresentada uma coleção de roupas que se chama Salmar, eu concebi o design da roupa para cada uma delas (fig.2 e 3 ). O projeto é concebido para todos, sem exclusão: para mim o corpo perfeito não existe. Na moda existe muito um estereótipo de beleza e eu não gosto dessa imposição, então as modelos foram elas, sem nenhumas experiência de modelo, e as roupas foram feitas à sua medida. No fim, fizemos um desfile na Santana, para apresentar o projeto à comunidade.
Mas, portanto, elas tiveram um mês e meio de formação, e o projeto demorou um ano porquê? Qual era o papel das participantes nessa coleção?

A conceção foi feita por mim, por elas e pela formadora, foi um trabalho de equipa e é inspirada no quotidiano da comunidade. Eu cresci nessa comunidade, ia sempre para lá nas férias, e essa vivência e aprendizagem com as pessoas dessa comunidade está presente nessas roupas, para além de refletir, também, o meu gosto pelas formas geométricas.

Fig. 2 – Coleção Salmar, projeto Fashion Matters  2019

Podes referir-me mais alguns elementos que te inspiram?
Gosto muito da moda do tempo da minha avó, foi algo que me inspirou bastante, as saias com pregas, as camisas tipo babete, as calças boca-de-sino, as calças em pipo. Uso sempre o tecido africano misturado com tecidos neutros para dar enfase ao tecido africano. Este simboliza a nossa africanidade. Existem crioulos que afirmam que não são africanos, são europeus, assim, o uso do tecido africano é uma forma de “africar a nossa negritude”, de criar uma nova identidade através da moda ligada às nossas tradições, às nossas origens. Concebi o projeto por causa da minha paixão pela moda. Há muito tempo que deixei de comprar roupa, perdi esse hábito, se eu tenho uma roupa que não é feita por mim é porque me ofereceram, desde muito cedo comecei a esboçar e a criar… A minha mãe, sempre que viajava para o Senegal, trazia-me muitos tecidos africanos, é um tecido de que eu sempre gostei, não por estar na moda, mas porque faz parte das nossas origens. Eu tinha escrito o projeto para concorrer para um festival de design, só que não entrei, mas como já tinha o projeto todo feito, eu soube do edital e eu decidi candidatar-me e fui selecionada.
Também pode haver outras comunidades mais desfavorecidas certo?
Sim, a primeira fase foi destinada às comunidades piscatórias da Salamansa, a segunda fase é também para uma comunidade piscatória, mas na Ilha de Santo Antão, e se houver homens que costurem, perfeito. O projeto iniciou com as comunidades piscatórias, mas não é destinado só a essas comunidades.
Tens mantido contacto com as participantes? Sabes se continuam a costurar?
Sim, continuam, vão criar uma associação. No fim do projeto eu disponibilizei-lhes máquinas de costuras, tecidos e materiais para continuarem a praticar, e vamos continuar a trabalhar juntas. A minha intenção não é ir a um local fazer campanha, é um projeto que tem de ter uma continuidade e pretendo transmitir conhecimento que as torne autónomas.
Aqui é mais fácil manter o contacto, certo?
Exato, por exemplo noutras ilhas, eu não vou conseguir ir todas as semanas dar auxílio, como faço aqui, porque a deslocação também não é muito barata, mas vou tentar ir lá.
Como começaste a trabalhar na Zungueira–Design & Comunicação?
Quando terminei o meu curso, fiz um estágio, no M_EIA, depois terminou e no mês seguinte eu comecei a fazer um estágio na Zungueira – Design & Comunicação, onde fiquei a trabalhar, desde 2016 que estou cá: foi amor à primeira vista, é uma empresa pequena – muito mais pequena ainda quando iniciei – mas é uma criança que eu quero ver crescer e ver até onde pode chegar.
E vendes as roupas que fazes ou é só para consumo próprio?
É para consumo próprio, eu tenho um gosto muito próprio, inclusive os meus amigos dizem que visto-me de forma estranha, não gosto de ter que vestir algo que não foi pensado por mim. Prefiro fazer as minhas próprias roupas, o corte é como quero, os padrões também, e como as pessoas, muitas delas, gozavam comigo com os meus traços de design eu nunca pensei que elas poderiam querer adquirir os meus produtos. Mas agora também vejo que as pessoas já gostam, educaram-se, por assim dizer, dessa forma. Vou começar agora a comercializar a roupa, já vendo sandálias e aventais inspirados nas peixeiras, e existe um espaço no mercado municipal onde exponho os produtos para venda.
Já participaste com alguma peça na URDI?
Participei sobretudo oralmente na produção do candeeiro Spotlight apresentado pela Zungueira no concurso de design BOKA PANU, no contexto de URDI, Feira do Artesanato e do Design de Cabo Verde de 2018. Participei também com a Naida, e com outra colega, então criamos souvenires de Cabo Verde que se chama Cabo Verde de seu Amor, e coparticipei também com os designers Davidson Almeida e Kervin Costa na realização de cabides, suportes, entre outras peças.
Qual são as vantagens e desvantagens de exerceres a tua profissão como designer aqui em Cabo Verde
Estando numa ilha, somos mais limitados ao nível dos recursos materiais, mas sobretudo, da educação do público. Mas, agora sente-se menos, porque o público já está mais familiarizado com a área. Antes, quando alguém me perguntava o que é que eu fazia e eu respondia que era designer, as pessoas entendiam simplesmente que eu desenhava. Havia desinformação, mas agora, já mudou, um pouco embora ainda se sinta um défice de informação. Aqui o design ainda não é tão valorizado como o artesanato e a música. Mas à exceção da limitação dos recursos, o resíduo de falta de informação do público que ainda persiste não é sentida por mim como uma limitação. Exerço numa área que eu escolhi. O design é muito abrangente e eu posso fazer o que eu quiser. Cabe a nós, designers, fazermos ações de forma a conseguirmos mudar a mentalidade das pessoas: é um desafio estimulante porque o design está em tudo o que nos rodeia, portanto, para mim é uma vantagem.

Obrigada pela entrevista.