Entrevista Vanessa Monteiro

DESIGN

Vanessa Monteiro é um fruto da diáspora cabo-verdiana. Nascida em Lisboa, de pais cabo-verdianos, licenciou-se em Design de Moda na Universidade da Beira Interior, em 2011 e é Mestre em Branding e Design de Moda, um curso em parceria entre a UBI e o IADE, 2013. Desde aí tem tido uma experiência profissional diversa, tendo sido, entre outros, assistente no Atelier da Designer de Moda Lara Torres, 2012, coautora do Produto Capulanar, apresentado no Lisboa Design Show (LXD), 2013 e designer de figurinos da Companhia de Dança de Almada (2015). Desde 2017 colabora com o CNAD – Centro Nacional de Arte, Artesanato e Design, São Vicente, Cabo Verde, onde reside desde 2016, tendo criado a marca registada Vanessa Monteiro Design e aberto uma atelier/loja da sua marca em Mindelo, São Vicente, em 2019. Nesta entrevista, a designer fala do percurso profissional que a levou a estabelecer-se em Mindelo, no processo criativo das suas coleções de moda, “D´Terra”, inspirada no panu di terra cabo-verdiano em 2014 e “Women Car(ry)e It All”, 2017, inspirada nas “rabidantes” – vendedeiras ambulantes. Partilha também a sua experiência enquanto colaboradora do CNAD – Centro Nacional de Arte, Artesanato e Design de Cabo Verde e membro participante nas edições de 2017 e 2018 da Urdi – Feira do Artesanato e do Design de Cabo Verde.
Onde fizeste a tua formação?
Estudei na Covilhã, fiz licenciatura em design de moda, na Universidade da Beira Interior (UBI) e depois o mestrado em Branding e Design de moda numa parceria entra a UBI e o IADE. Posteriormente, realizei uma formação em modelagem no Modatex, em Lisboa.
Então, cresceste em Portugal?
Sim eu nasci em Portugal. Os meus pais foram para Portugal estudar no final dos anos 70, início dos 80 e, entretanto, eu e a minha irmã nascemos. Fizemos toda a nossa vida em Portugal mas muitas das nossas férias foram passadas em Cabo Verde, vínhamos aqui com muita frequência e mantivemos uma ligação muito próxima com Cabo Verde: mesmo em Portugal íamos sempre, aos fins-de-semana, para convívios e tertúlias em ambientes cabo-verdianos, que o meu pai gostava muito, deste modo, acabámos por ter assim uma vivência muito mindelense, em lisboa.
Podias falar-me um pouco do teu percurso como designer?
No primeiro ano do mestrado, estagiei 3 meses com a designer de moda Lara Torres, pouco antes de ela ir para Londres fazer o seu doutoramento. É uma designer bastante conceptual, com um trabalho de investigação sobre a relação identidade e roupa e muito ligada também à área das artes. Nessa altura tive também a sorte de trabalhar no desenvolvimento de figurinos e de realizar várias experiências. Logo no dia a seguir a apresentar a minha dissertação, iniciei, com mais duas colegas jovens designers Ermelinda Mandlaze e Plácida Mendes, um estágio de 4 meses com a designer Sofia Vilarinho no âmbito do seu doutoramento e acabámos por desenvolver em conjunto um produto que designámos de “Capulanar”. Creio que criámos cerca de 10 formas diferentes de usar a capulana – pano africano usado em Moçambique de várias formas – sem que houvesse qualquer desperdício, não havia corte do retângulo. Esse projeto foi muito interessante e entrava, também, no domínio do design social, no sentido em que tinha uma certa abordagem antropológica. Depois, fui fazendo trabalhos como freelancer, desenhei fardas para uma clínica de fisioterapia, a FisioLuanda, Angola e desenhei figurinos para a Companhia de Dança de Almada, em 2015.
Onde vivias nessa altura?
Vivia em Algés. Na realidade cresci na zona da Ajuda, Alcântara, até que comprámos uma casa em Algés onde ficámos. Depois de todas estas experiências, fiz um estágio na revista GQ Portugal. Mais tarde os directores José Santana e Sofia Lucas,, chamaram-me para ser editora de moda na nova editora de abriram com dois sócios – Jan Kracilec e Branislav Simoncik – a Light House Publishing. Foi uma experiência excelente, só que eu sentia a falta da parte criativa relacionada com design e de desenvolver coleções, que é algo de que eu gosto mesmo muito, e então foi na altura das férias que pensei bem e resolvi, “Vou-me demitir, vou para Cabo Verde!” Na altura a minha mãe estava em Portugal e o meu pai e a minha irmã, que são fisioterapeutas, estavam em Angola, mas a minha família deu-me todo o apoio quando decidi que queria apostar na minha carreira enquanto designer de moda. E, assim, a 26 de novembro já estava em Cabo Verde…Foi tudo muito rápido!
Qual foi a tua primeira atividade?
Comecei no CNAD, em 2017, na altura, quando cheguei estava a decorrer uma formação com rendeiras, coordenada pela designer e estilista espanhola Maria Moreira. Basicamente, era uma formação em que um grupo de senhoras, algumas reformadas, da Ilha de São Vicente, durante 4 meses de formação criavam peças de roupa em renda. Eu desempenhei um papel de mediadora tendo acabado por ser responsável pela produção do desfile que as rendeiras realizaram no final com aquelas peças produzidas. Entretanto, logo a seguir, foi o carnaval e o Irlando Ferreira, diretor do CNAD, contratou-me para fazer o merchandising dos sacos do Kakoi, figura mítica do carnaval Mindelense. As várias experiências permitiram-me conhecer muitas pessoas do meio, ficando mais à vontade na cidade, porque, na realidade eu só conhecia o Cabo Verde do ponto de vista das férias, e agora vim descobrir a Ilha de São Vicente de uma forma diferente. Entretanto, abri a loja em junho de 2019 e tenho uma marca, a Vanessa Monteiro Design.

Quando é que surgiu o selo de certificado de artesanato Created in Cabo Verde?

Antes do Irlando Ferreira assumir a direção do CNAD, já tinha sido iniciado um processo dede reconhecimento e certificação do artesão, mas não tinha sido implementado a fundo.Em 2018, o director Irlando criou uma nova equipa e com novas directrizes desde maio de 2018 estamos a trabalhar na Regulamentação e Certificação do Sector do Artesanato Created in Cabo Verde. A equipa é composta pela Ana Marta Clemente, Elisangela Monteiro, Bento Oliveira, a Vânia Pachito e eu .

No final de 2017 tive um trabalho mais intenso, foi quando fiz parte, pela primeira vez, da URDI, Feira de artesanato e design de cabo verde.

Fig. 1, 2 e 3 – Panú di terá cabo-verdiano; coleção “D´Terra”, Vanessa Monteiro 2014

Quais foram as tuas participações na URDI?

2017 foi o primeiro ano do concurso de design da URDI. O tema era Identidade – Interior da Nossas Casas, nessa altura eu fazia parte da produção e acompanhava a manufatura das peças candidatas nas oficinas de artesãos locais. Nesse mesmo ano realizei uma instalação no pátio do CNAD, na qual apresentava a minha primeira coleção “D´Terra”, de 2014, inspirada no panu di terra cabo-verdiano, fig. 1, que já tinha apresentado em São Vicente, fig. 2 e 3.

Na URDI 2018 Agora através de uma perspetiva diferente, expondo o processo criativo através de uma instalação fotográfica que contou com uma estrutura desenhada por Vítor Fonseca, estudante de arquitetura,. Uma vez que a coleção surgiu, inicialmente, por meio da observação e exercícios criativos que ia fazendo, fig. 4 e 5, comecei, então, a perceber que poderia haver algo mais e esse foi o ponto de partida Para a instalação que consistia numa estrutura espiral,no pátio do CNAD, em cujas paredes, constituídas por caixotes de fruta, se podiam ver as fotografias dessa coleção. No final dessa sugestão de labirinto, metáfora da cabeçado criativo podia assistir-se uma entrevista realizada pela Rita Rainho, fig 6.

Fig. 4 e 5 – Esboços preparatórios da coleção “D´Terra”, de 2014

Fig. 6 – Instalação sobre o processo criativo da coleção “D´Terra”, URDI, 2017

No ano seguinte, em 2018, participei na URDI integrando a equipa criativa. Nesse ano realizou-se o segundo ano do concurso eu e a Rita Rainho participámos como convidadas e apresentámos a “Neve Insular“, uma proposta de design social que resultava na plantação de uma área de algodão na zona rural da ilha, Madeiral. As peças são expostas no Salão_Created in Cabo Verde, no Centro Cultural do Mindelo (CCM), por esse motivo, como tínhamos o espaço do salão, realizámos uma fotomontagem em grande dimensão, trabalhando sobretudo o aspeto simbólico, porque o projeto estava a ser desenvolvido (plantado) no Madeiral, onde posteriormente efetuámos uma visita com as comitivas da URDI (fig. 7). No final de 2018 e início de 2019, começámos a pensar desenvolver o projeto, independente da URDI e concebemos um plano para 2019. Projetámos várias ativades que tiveram início no mês de junho. Desde oficinas de educação artística com os alunos de 3ª e 4ª classes das Escolas do Madeiral, Ribeira do Calhau e Calhau, sessões de agroecologia com os agricultores da Associação Agropecuária do Calhau e Madeiral. Ao fim das 5 sessões com as crianças, apresentámos, em novembro, no âmbito do Mindelact – no CCM, o trabalho desenvolvido pelos mais novos. No final desse mês realizámos mais duas oficinas, uma “Cardar e Fiar com o Mestre tecelão Marcelino dos Santos” e “Tingimento Natural com Flávia Aranha”, designer brasileira. Estes últimos fazendo parte da programação da URDI.

Fig. 7 -Instalação sobre o projeto Neve Insular,URDI 2018

O que os participantes ganham com o concurso?

As propostas vencedoras têm a produção do protótipo pago pela organização da URDI e a peça mais votada pelo júri recebe 60 mil escudos (aproximadamente 600 euros); para além disso, ganha-se também reconhecimento e espaço de experimentação. No fundo, acaba por ser uma coautoria, no sentido em que o CNAD lança o repto, propondo uma temática e os criadores sugerem uma proposta em função dos critérios estabelecidos pelo regulamento,. Mas o objetivo do CNAD não é só ficar com peças para espólio mas também,  comercializá-las. Assim, a ideia é realizar um contrato justo entre o autor, o produtor e o CNAD Essa comercialização passa pela exposição das peças, a venda e a comunicação, portanto, esse é o equilíbrio que se procura criar através desse contrato.

Mas ainda não chegou a ser implantado?

Não, ainda não. Atualmente, o objetivo essencialmente do CNAD é promover a criatividade e incentivar as pessoas a continuar a criar, porque em termos de design é algo relativamente recente aqui em Cabo Verde.

Essencialmente design de produto, certo?

Sim, o que acontece é que se acaba por apostar mais em design gráfico, porque os custos são menores, e de facto com o concurso da URDI acabámos por verificar que existe interesse, o que falta, por vezes, é aquele motivo para produzir, mas tem sido muito positivo, desde o primeiro concurso da URDI até agora.
No segundo ano de concurso houve realmente um “boom”. O tema era o Padrão da Panaria cabo-verdiana. O tema do concurso está sempre relacionado com o tema mote da URDI, o qual, naquele ano, era a Importância do CNAD na criação de uma identidade visual cabo-verdiana. Houve várias residências criativas, o concurso BOKA PANU e também o projeto Renda Brava.

Dada a tua vivência em Portugal e em Cabo Verde o teu trabalho enquanto designer de moda acaba também por ser um misto de influências?

Fig. 8 e 9 – coleção Women Car(ry)e It All, Vanessa Monteiro, 2017

Sim sem dúvida, mesmo as minhas coleções têm muito desses dois lados.
Por exemplo, a coleção Women Car(ry)e It All, fig. 8 e 9, que apresentei no mesmo ano em 2017, foi inspirado nas Rabidantes – as vendedeiras ambulantes – e na sua energia pois elas conseguem subsistir e manter a família através das vendas e de tudo o que elas carregam. Assim, esta coleção vai buscar elementos aos cordéis dos aventais, à forma como eles “deformam” a silhueta, criando novas linhas, recriando-as. Um dos fatores que eu procuro nas minhas coleções é que sejam versáteis, que tenham mais que uma forma; podem ser, por exemplo, nesta coleção as peças podem ser usadas com ou sem os cordéis amarrados, sugerindo alternativas ao usuário.

Trabalhas com costureiras?

Sim, agora estou a trabalhar com uma costureira nova, são processos experimentais. Recorro à observação, a fotografias, ilustrações, mas a forma da roupa é criada a partir dessas referências, é tudo muito experimental. Gosto, também, de desenhar os padrões dos tecidos. Todas as coleções têm tido padrões originais.
Tens tido encomendas ou vendes mais através das lojas?
Vendo mais através da loja/atelier, ainda não tenho um site, mas é algo que eu quero fazer, porque acabo por ter muitos turistas interessados, têm sido os meus principais compradores. Não me sinto na obrigatoriedade de fazer coleções de x em x tempo, sendo que a última apresentei em 2017. Estou a pensar apresentar uma este ano, mas ainda está em processo.