Inês Ribeiro

DESIGN 

Inês Ribeiro é licenciada em Artes Plásticas pela Escola Superior de Arte e Design das Caldas da Rainha. Realizou uma formação em cerâmica, fotografia e serigrafia, ao abrigo do programa Erasmus na Guzel Sanatlar Facultesi em Antalya, na Turquia. Exerce atividade como artista plástica e como designer gráfica. Vive em Ponta Delgada, Açores, desde 2010.

Inês Ribeiro, Ilustração com a escamas, 2012

Podes falar-me um pouco da aplicação da técnica das escamas de peixe na ilustração?

Portanto, a técnica das escamas de peixe aplicadas a ilustração foi um projeto pensado para a residência que realizei na Escola de Santo Amaro, em 2012. Esta escola foi fundada por umas irmãs gémeas há muito tempo, umas senhoras que têm um saber imenso, quase inesgotável no tratamento das técnicas tradicionais e foi com essas mestras que tivemos oportunidade de aprender, foi uma partilha fabulosa porque elas são duas pessoas muito abertas à experimentação.

Quando concorri para esse projeto, foi a primeira vez que trabalhei com as escamas de peixe, um material desconhecido para mim, e foi um desafio muito interessante, em dois meses conseguir realmente descontextualizar as escames de peixe e contextualizados num contexto à partida completamente alheio a elas, foi um desafio muito interessante.

Foi organizado pelo Centro Regional de Apoio ao Artesanato.

Portanto, foi deles a proposta da residência, na qual houve um acompanhamento muito grande da parte deles porque não era só eu a fazer as escamas de peixe, nós eramos 5 designers/artistas em residência, cada um a trabalhar uma técnica tradicional de artesanato. Houve colegas que trabalharam as palhas de trigo, houve mais um colega que trabalhou as escamas de peixe, mas aplicado ao design  gráfico e houve uma colega que fez o bordado com a palha de trigo. No fundo, foi sempre o mesmo contexto que era trazer para a contemporaneidade a técnica tradicional de trabalho tanto de umas matérias como de outras.

A aprendizagem foi sobretudo da parte dos designers/artistas, ou também houve uma aprendizagem da parte das artesãs?

A partilha foi recíproca, contudo, falando a nível do meu trabalho pessoal que já inclui alguma bagagem de desenho e ilustração, elas não têm esse conhecimento digamos da ilustração, mas deixei-lhes como “herança” um trabalho que elas poderão fazer. O meu trabalho iniciou-se com a aprendizagem da técnica tradicional de tratar as escamas e o que é que é isto? É no fundo as flores de escamas de peixe, porque o que se faz aqui a este nível são flores, não há muito mais, e são flores sempre com a escama branca, com a escama tingida de varias cores, a escama é tingida e depois é recortada com a forma da flor que se quer, e a inovação que eu lhes deixei de herança é que elas poderão por em prática o desenho na própria escama de peixe, em vez de eu fazer a minha flor da escama de peixe com a escama inteira só de cor ou branca; eu deixei-lhes a possibilidade de elas poderem desenhar sobre a escama para depois comporem a sua flor.

Entretanto já fiz um workshop em que transmiti esse conhecimento a outras pessoas.

Foi muito interessante porque foram talvez 5 pessoas. Foi um workshop de curta duração, foram três horas num dia e três horas no outro, pressupunha desde a raiz fazer a ilustração a pensar já como incluir as escamas de peixe no final.

Portanto, era um workshop já à partida de nível 2 de ilustração, porém foi muito interessante porque acabaram por aparecer algumas pessoas que não vinham deste mundo, não tinham nada a ver com o desenho e ilustração, simplesmente tinham o gosto pela criatividade e por fazer coisas novas, e foi muito interessante ver que essas pessoas conseguiram realizar trabalhos muito interessantes, outras das pessoas vinham já do mundo da criatividade, não foi para elas difícil executarem a ilustração, foi difícil adaptarem as escamas de peixe.

O desenho sobre o desenho não cose linhas, as linhas existem no original de onde esse partiu, essas linhas que se veem são linhas impressas.

Podes falar-me um pouco da intervenção urbana que realizaste no Walk & Talk, em 2012?

Inês Ribeiro, 2012

Foi outra participação muito interessante. Participei dois anos no Walk & Talk e, infelizmente, não tenho tido disponibilidade para poder participar nos últimos anos.

Essa intervenção que referes foi o primeiro ano do Walk & Talk. Esse trabalho é incrível, perdura até hoje e ainda ando com esse trabalho. Esse trabalho começou porque eu encontrei um livrinho com paginas em branco, escrito só no fundo de cada folha, estavam escritas as citações de Charlie chapim e eu primeiro achei lindíssimas as ilustrações e achei um máximo ser as folhas em branco só com aquilo escrito e claro, achei que gostava muito de ilustrar cada uma daquelas citações e assim fiz. Comecei a ilustrar e entretanto houve alguém que viu, já não me lembro que voltas é que isso deu, mas alguém relacionado com o Walk and Talk, e vieram falar comigo, a dizer que era um trabalho que eu podia fazer para o Walk and Talk e eu fiquei a pensar: realmente era bom mas o que é que vou fazer com 34 desenhos A5 no festival de arte urbana, e acabei por dar a volta aos trabalhos e fiz cópias ampliadas para A3 a preto e branco, nessa altura os trabalhos ainda não tinham cor, ampliei para A3, e recortei-os todos.

Onde os afixaste?

Pela cidade de Ponta Delgada com mensagens ilustradas, foi essa a intervenção. Esses postais entretanto foram pintados a posteriori e, entretanto, já vão na 4.ª edição de reprodução, e depois fiz outro projeto com eles, eles estão a ser produzidos como “postais quadro”, portanto todos os postais são plastificados um a um, no verso existe a possibilidade de se escrever uma mensagem e depois enviar para alguém, e a pessoa que recebe não vai guarda-lo na gaveta pode pendura-lo na parede como um quadro.

As edições são todas em tamanho pequeno portanto são 10×15, são mini quadros que se aplicam a parede, a plastificação tem um furo em cima que permite que o trabalho fique pendurado.

Como reagiram as pessoas à intervenção?

Pois eu acho que muitos foram roubados mesmo depois de eu os ter colocado porque na noite seguinte quase todos desapareceram. Penso que na cidade ainda há um ou dois. Entretanto no ano seguinte, em 2013, fiz também uma intervenção muito interessante para o Walk & Talk que foi uma pintura mural numa fachada de uma associação contra dependências, foi um trabalho super interessante, foi muito interessante trabalhar com aquele tipo de público, super disponíveis, o espaço tem utentes internos, tive a oportunidade de fazer uma comunicação com eles e foi muito interessante a visão deles sobre o trabalho, eu comecei a pintar e acho que a minha linguagem quase que se entende como uma linguagem infantil, então quando eles começaram a ver a parede a ficar cheia de bonecos e cores, começaram a ficar muito incomodados ao pé de mim, passavam por mim não me diziam nada, depois ao fim de uns dias, há um que ganha coragem e diz-me assim:

 “Eu acho eu a senhora está enganada, isto aqui não é nenhuma creche”. Pois mas isto não são desenhos para creche, eu depois vou explicar-vos o trabalho e vocês vão entender, então foi tão giro quando lhes expliquei o porquê daquilo, o percurso do homem até se tornar um homem livre, desde o momento em que entra na associação até se tornar um pássaro livre, e quando eu lhes expliquei foi incrível porque eles conseguiram quase rever-se nos bonecos e então faziam analogias ao seu estado quando ali chegaram, foi muito giro este trabalho, ele ainda está na fachada da Alternativa.

Inês Ribeiro, mural, Walk & Talk, 2013

As plataformas digitais, como a ETSI, têm ajudado na divulgação e comercialização do teu trabalho?

A ETSI é uma ferramenta muito boa, mas como qualquer outra ferramenta requer atenção diária porque quando não se dá essa atenção diária não há atualizações e também não há ninguém com interesse em ir lá ver.

Já construi se calhar há três anos essa página, já meti lá alguns conteúdos, mas também alguns já expiraram e isso implica também outra coisa que é eu ter trabalho parado em stock porque o trabalho que eu faço e ponho na ETSI, eu não posso vende-lo noutro lado porque eu trabalho com peças únicas, logo implica que eu tenha de reter sempre os trabalhos em casa. Paga-se para ter cada um dos trabalhos lá. Acho que são 50 cêntimos e é razoável para os frutos que pode dar, contudo implica essas duas coisas, implica eu ter disponibilidade para as atualizações e ter fundo de stock de trabalho: se eu tenho 100 trabalhos na ETSI significa que eu tenho 100 trabalhos parados aqui em casa.

Podes falar um pouco da série “Desenhos sobre desenhos”?

Esta série consiste em desenhos trabalhados a partir de desenhos já trabalhados. Ou seja, eu retiro pedaços de trabalhos que eu já tenho e volto a trabalhar esses pedaços e incluo no trabalho final, logo é possível que um ou outro tenha pedaços de lá, todavia não foi essa a essência do início desse trabalho.

O que inspira o teu processo criativo?

Pois o meu processo criativo, acho que parte sempre da minha linguagem da ilustração, é inevitável esse enraizamento da ilustração. Às vezes parte da assemblagem de pequenos fragmentos. Portanto sou uma colecionadora nata de tudo, guardo tudo porque acho que tudo é fabuloso, sou uma pessoa que gosta de tudo o que encaixa, portanto passo a vida à procura de objetos que se encaixam uns nos outros e quando encaixam percebo que pode funcionar numa peça de cerâmica ou percebo que a sombra daquele objeto pode resultar num desenho que depois vou pintar e às vezes estou no meio da pintura e percebo que era fabuloso fazer um mural com aquilo que estou a desenhar e paro de desenhar e vou fazer um mural, portanto as influencias podem ser muitas e variadas, no entanto acho que está sempre presente este cunho da ilustração, mesmo quando trabalho o barro é quase impossível desassociar uma coisa da outra.

Quando refiro o “cunho” não me refiro tanto a metodologia criativa, referia-me mais a identidade, que se calhar o próprio desenho tem. Eu posso querer fazer um outro tipo de desenho, mas não consigo.

Portanto eu desenvolvo sempre trabalho relacionado, ou paralelo com a questão do tradicional e desde sempre, logo já trabalho com as mãos desde os 13 anos, onde comecei a modelar a pasta FIMO porque precisava de dinheiro para queles extras que às vezes os pais não podem dar e desde muito cedo comecei a modelar e depois mais tarde, quando fui para as artes plásticas, tive o conhecimento com a cerâmica.

A minha formação, licenciatura, não é em cerâmica, é em artes plásticas geral conquanto na escola onde estava há também design de cerâmica e estive rodeada de pessoas dessa área e tive oportunidade de aprender o básico com uma amiga que é uma grande ceramista que é a Sandra Trindade e foi ela que me transmitiu o básico dessa território e depois, quando acabei a licenciatura, acabei por ir para um curso de cerâmica criativa para o CENCAL, e a partir daí tenho sempre estada ligada a cerâmica. Desde que vim para os Açores a ligação não se perdeu, mas a ligação foi menor e nos sete anos que estou nos Açores nem sempre foi fácil ter uma casa em que pudesse trabalhar a cerâmica e sou uma pessoa que acho que devemos manter o saber tradicional e evolui-lo, quase que sinto uma espécie de responsabilidade em manter esse saber da tradição, se amanhã tiver oportunidade de aprender outra coisa decerto irei aprender.

Fiz estágio também em São Pedro do Corval que é a capital ibérica da cerâmica e do barro.

Como é a tua experiência da tua vivência nos Açores?

Não nasci nos Açores eu nasci em Leiria, e há sete anos vim com a para os Açores dar aulas, foi assim uma mudança de uma quinta-feira ao final do dia para um domingo, rápido, rápido.

A experiência é interessante porque acabo por sentir que vivo num pedaço de paraíso, todavia jamais um continental será um ilhéu. Existe uma grande influência na personalidade das pessoas por serem ilhéus, mas há uma vivência muito particular aqui que para nós, continentais, às vezes é estranho. Nós temos outra forma de nos relacionarmos uns com os outros, porém a Ana quando esteve aqui deve ter reparado que a qualidade de vida aqui é muito superior à qualidade de vida do continente, tudo é mais perto, conseguimos fazer mais coisas por dia. Isto é um privilégio muito grande.

Como é que adjetivas a especificidade das vidas das pessoas aí? São mais abertos?

Não são mais abertos, se calhar mais profundos da vivência humana, porque tem sempre esta iminência de catástrofes que não conseguem controlar, têm sempre muitas vivências ligadas ao mar que ainda atormentam estas pessoas todas, mais profundos nesse sentido, nós não pensamos tanto nesta questão basilar da sobrevivência humana.

Eu acho que o mar pode ser as duas coisas, pode ser um limite – porque eu chego ali ao fundo, ando vinte quilómetros e não posso ir mais, como também pode ser a liberdade, porque o mar dá-nos perspetiva, dá-nos visão e dá-nos toda a vivência do mar. Também já tive a oportunidade de fazer um curso de mergulho e comecei a ver o mar com outros olhos, acho que também é de liberdade e encanta-me a vivência do mar, os barcos, a pesca, os cruzeiros que passam, muita gente que vem, muita gente que vai, a ilha é isso, já conheci muitas pessoas que ficaram cá muito pouco tempo, os mais novos acabam por ir para fora para estudar ou acabam por ir para fora para fazer projetos, isso é muito frequente, aqui ir para o continente significa ir para muito longe é como ir para fora.

Essa experiência influenciou o teu trabalho?

Sem dúvida que mudou, desde que vim para os Açores, comecei a ter uma atenção pelo mar e pela natureza, agora acho que também me centro muito em questões naturais, os verdes, os azuis, os tons terra e isso começou a acontecer desde que vim para a ilha, acho que isso foi uma influência de ter vindo para aqui.

Essa experiência reforçou com o tempo?

Sim, eu por natureza já tenho uma relação com o tempo muito particular, acho sempre que o tempo tem muito tempo, mas afinal o tempo não tem assim muito tempo, então a maior parte dos dias costumo dizer que já acordo atrasada, mas efetivamente aqui o meu tempo é maior sem dúvida alguma…