Entrevista ao João Paulo Pereira da Casa de Bordados dos Açores João Pereira & Filhos, lda

ARTESANATO

O surgimento das primeiras bordadeiras profissionais, em meados do séc. XIX, foi contemporâneo da expansão da burguesia e do florescimento da pequena indústria do bordado açoriano. Mais tarde, nos anos 30 do séc. XX, devido à concorrência do bordado da Madeira, surgiram os centros de produção do bordado, designadas as “Casas dos Bordados” e, introduzido por Lily Bensaúde, o bordado de matiz a azul.

Sobre linho, com motivos ornamentais inspirados nas loiças azuis da China, o ponto de matiz imita a frescura da pintura sobre porcelana. Muitas vezes associados a peças de cerâmica e azulejaria, decoradas a branco e azul, os motivos característicos deste bordado são compostos por elementos florais assimétricos e algumas aves. Este bordado criou uma marca distintiva que projetou o bordado açoriano, apesar de existirem também outros tipos de bordado típicos de cada ilha, como o bordado a branco sobre branco em cambraia, algodão ou linho, da Ilha Terceira ou o bordado a palha sobre tule, da Ilha do Faial.  

João Paulo Pereira, da Casa dos Bordados dos Açores João Pereira & Filhos, Lda., reflete sobre o papel que os bordados desempenharam na condição da mulher açoriana, na atividade da empresa e na situação dos bordados na atualidade.

Desde quando existe a empresa?

Esta empresa existe formalmente desde 1988. Foi a última “Casa dos Bordados” feita de raiz para o efeito e é uma empresa familiar assente na 3ª geração.

Como surgiu a ideia de criarem a empresa?

Como já referi esta família está ligada aos bordados desde o meu avô. Esta empresa surgiu da necessidade de criar uma empresa nova de raiz pensada no bordado dos Açores com áreas bem definidas e melhores condições de trabalho para os nossos colaboradores.

Quantas bordadeiras tinha a trabalhar para a empresa no início? Eram todas mulheres?

Bem, não sei bem ao certo mas posso afirmar que no início teríamos umas 500 bordadeiras.

Recebiam as encomendas e trabalhavam em casa ou na empresa?

O bordar é domiciliário, mas o bordado passa por sete fases de produção, as outras seis fases são realizadas na empresa, todas elas manuais e que requerem trabalho muito especializado.

Quantas bordadeiras trabalhavam 15 anos depois e agora?

Bem o número de bordadeiras têm descido e o nível etário tem aumentado, neste momento, devemos ter perto de 100 bordadeiras, embora seja preciso salientar que estas senhoras não bordam todos os meses nem todos os dias, uma vez que neste tipo de trabalho é impossível executar 8 horas seguidas como num emprego normal.

Em média, quanto recebe uma bordadeira à hora de forma a ser sustentável?

Face ao acima exposto, não é calculado o pagamento à bordadeira por hora e sim por pontos, temos uma tabela e todos os desenhos são calculados conforme o seu trabalho. Chamo a atenção que a bordadeira domiciliária, bordava e borda como complemento ao seu rendimento e não como um emprego normal.

Quem faz os desenhos? Utilizam riscos antigos?

Temos desenhadora que nos faz os desenhos, utilizamos os riscos antigos bem como fazemos outros mais contemporâneos.

Tem procurado adaptar o bordado às necessidades atuais?

Procuramos sempre dentro do possível, embora não devemos desvirtuar o Bordado dos Açores da sua genuinidade e exclusividade.

Considera que as atividades artesanais tradicionais, como o bordado, desempenham um papel na autonomia e autoconfiança das mulheres dos Açores? De que modo é que esse papel tem vindo a mudar?

O bordado, efetivamente, desempenha um papel na autonomia e autoconfiança das mulheres dos Açores pois quase na sua totalidade os maridos eram os únicos que trabalhavam fora de casa para trazer sustento para o agregado e desta forma as senhoras constituíam um pé-de-meia para fazer face algumas despesas pessoais sem terem de depender a 100% dos maridos, o que por sua vez contribuía para a sua autoconfiança.

De um modo geral do artesanato e não só dos bordados, os produtos artesanais foram sendo desvalorizados pela sociedade em geral. Lembro-me dos trabalhos manuais que tínhamos nas escolas, o saber fazer que era transmitido de pais para filhos também quase acabou, a desvalorização do prazer de aprender e fazer pelo comprar feito e na hora, isto tudo fez desvalorizar o artesanato nos mais novos. Atualmente, alguns jovens estão despertos para a situação e começaram a aprender e a valorizar o trabalho manual.

Espero que depois de termos perdido algumas gerações para a importância do artesanato, os consigamos reconquistar e mostar o quanto em cada peça artesanal está um pouco da nossa cultura, saber assim como a história e vivência do nosso povo e país.

A seu ver, o interesse pelos bordados dos Açores tem vindo a diminuir ou a aumentar?

Tem vindo a aumentar. O Bordado dos Açores como produto turístico é muito importante pois o turista leva para o seu destino uma peça única, produzida exclusivamente à mão pelas senhoras bordadeiras da ilha, ou seja leva consigo um bocadinho dos Açores!

A faixa etária que gosta do bordado?

O Bordado dos Açores é apreciado dos 8 aos 80 anos por quase todas as pessoas, pode haver é diferenças etárias em relação a certos artigos.

Que influência teve a internet e o turismo na produção dos Bordados?

O turismo é o grande motor de divulgação do Bordado dos Açores, já devemos ter uma peça bordada nos quatro cantos do mundo! O turista cada vez mais quer visitar e ver o que é genuíno e feito pelos locais. A internet é um grande veículo de divulgação e promoção do Bordado.