Entrevista a Sara Silva

DESIGN

Sara Silva é uma designer autodidata que iniciou em 2017 o projeto 8Straw |Handmade Design que tem como objetivo criar um design contemporâneo e sustentável de malas e chapéus, através da recuperação da técnica de entrançado do palmito de Porto Santo, que se encontra atualmente em extinção.

Nesta entrevista, a designer faz o balanço do primeiro ano de atividade desta empresa, descreve as diferentes fases da técnica – desde apanha à confeção – sublinhando a importância de não permitir a sua extinção pois faz parte do património cultural da Madeira, sendo única devido à textura maleável e suave do entrançado de palmito que lhe confere uma qualidade táctil particular.

Qual é a área da sua formação?

Em Recursos Humanos. Estudei artes mas apenas no 10.º ano, depois fiz um percurso que se afastou das artes plásticas mas tive sempre uma paixão pelo nosso património cultural, em especial, o do Porto Santo.

Portanto, foi com este projeto com a folha de palmito do Porto Santo que iniciou a sua atividade?

Sim. Trabalho com as duas únicas irmãs que ainda sabem trabalhar essa técnica, a Amélia Melim e a Ótilia Melim.

A Maria Amélia é a mais velha, com 86 anos, a Otília – são duas irmãs – tem 74. Para além das duas irmãs existe um tia, com cerca de 81 anos que também ainda sabe trabalhar esta técnica. É um saber que fazia parte de uma atividade da família mas que, ao longo dos anos, se foi perdendo porque as gerações seguintes não tiveram interesse ou possibilidade de preservar esta arte, pois não havia procura.

Tanto a Maria Otília como a Maria Amélia aprenderam com os pais. Infelizmente, tirando estas duas irmãs e a tia, não há mais ninguém desta família que tenha aprendido esta arte. Daí a pertinência em querer preservar e dar continuidade a este trabalho. Acima de tudo, é a paixão que tenho e também considero que é algo que faz sentido preservar.  Em termos comparativos, o bordado da madeira, a cestaria e este entrelaçado do palmito é o melhor do artesanato que  temos nas ilhas da Madeira e está em extinção.

Se eu não conseguir que haja um interesse em dar continuidade a esta atividade, poderá vir a acabar. Eu acredito que não. Depende muito do trabalho que tenho vindo a desenvolver e dos contactos que estou a estabelecer. Uma vez que haja encomendas, existe a possibilidade de pagar a mão- de-obra e de dar formação a pessoas.

Se formos comparar com o que se faz em Marrocos, no Chile, são peças com muito volume e eu não tenho produção em volume, tenho em qualidade. Daí ser importante a valorização do produto em si. Eu noto que apenas quando as pessoas têm contacto com o produto nas mãos e testam a diferença entre os vários entrelaçados dos vários países é que percebem que realmente se trata de um produto diferente. Dando um exemplo concreto: recentemente estive no Algarve, em, Loulé, onde existe também um entrelaçado com outro tipo de palmeiras e, comparando com a textura do entrelaçamento dos dois produtos,  a diferença é muito grande: aquela palha é mais tesa, mais dura e esta é uma palha mais molinha. Tem outro toque…

Fig. 1 – Maria Otília Melim - Sara Silva

As peças têm um tempo de execução elevado, não é?

Sim, estas pessoas trabalham no conforto das suas casas, ou seja, não é a atividade principal. Ambas, a Maria Amália e a Otília, são reformadas. A atividade não começa logo de manhã, fazem consoante as encomendas que nós temos. Mas quando há dedicação a uma peça, por exemplo, a um chapéu, o tempo de execução demora dois dias.

Eu tenho um uma mochila feita por elas, em que só a palha demora cinco dias a fazer. Claro que isto é um processo moroso, temos que começar com a apanha do próprio palmito, desde a apanha à secagem são quinze dias consoante o sol, com a humidade temos que recolher novamente a palha e guardar para outro dia para colocar ao sol. Segue-se o processo de raspagem até tornar o palmito mais maleável de forma a poder então tirar as fitas de forma a construir a trança, ou seja, construir a própria trança, que tem que ser de uma trança única. Consoante o modo a como vamos utilizar, tem que ter um comprido único para que depois possa ser cosida, como se fosse um bordado,  à volta do próprio molde. Requer paciência e tempo. Também depende de termos ou não matéria-prima. Este ano conseguimos fazer três apanhas, mas nem todos os anos é possível.

E quem faz as apanhas?

São as pessoas que já conhecem o que se pretende. Nem todas as pessoas aprenderam quais são os palmitos, quais são as folhas de palmeira de que precisamos para trabalhar. Por vezes, Maria Otília indica quais as folhas que têm mais potencial para serem trabalhadas, acompanhada de um conhecido dela que já faz a apanha. Ela própria ensina as pessoas.

 E onde colhe a inspiração para fazer o design dos chapéus e das malas?

O que eu fiz este último ano  foi inspirado nos modelos clássicos dos chapéus de senhora no panamá e nos chapéus para homem que eram utilizados no campo. O chapéu chama-se “panamar” devido ao comércio que se fazia antigamente com os barcos que vinham do Panamá que passavam para Porto Santo.

Entretanto tenho outras peças de moldes antigos de uma antiga chapelaria aqui no Funchal que encerrou. Fiz a recolha desses moldes de forma a criar outras peças. A minha inspiração também vem muito de alguns aspetos da evolução da própria moda, ou então do próprio quotidiano. Por exemplo, como ando de mota, pensei que seria prático conseguir levar o meu chapéu na mala. Daí ter criado a tot bag, uma mochila que permite levar o chapéu. Estas influências misturam-se com a minha própria linguagem visual e com a vontade de querer criar peças diferentes porque acho que só dessa forma conseguimos valorizar o trabalho e distingui-lo da produção massificada.

Fig. 2 – Chapéu realizado com folha de palmito - Sara Silva

Mas, antigamente, essa técnica de entrançamento era utilizada apenas para  chapéus ou faziam também outras peças?

Era exclusivamente para chapéus. As senhoras criaram alguns modelos de mala, como aquele do envelope, mas agora fui eu que comecei a desenhar umas coisas novas, a desenhar e a testar. É muito importante testar, porque eu posso ter uma ideia interessante e depois, ao testar, não ser muito funcional. Todas as minhas peças são testadas por mim. Vou usando até perceber onde posso melhorar. A intuição também entre aqui em jogo. Depois é no contacto com as outras artesãs que vamos desenvolvendo as peças. Aqui entra também o trabalho da costureira e das pessoas do couro.

Fig. 3 - O entrançado de folha de palmito - Sara Silva

Onde é que aplica o cabedal? Nas malas?

Sim, no acabamento das malas e nos próprios chapéus. Faço questão de ter essas parcerias com outros artesãos e é por isso que incluí o bordado da Madeira no nosso logo. Os interiores são em linha. É um apelo, no fundo, à interdisciplinaridade entre os vários tipos de artes.

E o bordado, onde é que entra aqui no chapéu? É no forro interior?

O bordado entra no logo das malas, no bolsinho onde são colocadas os logotipos da marca. O bordado é aplicado no linho, como os chapéus não levam linho, não é aplicado o bordado. Este é apenas nas malas.

Até agora tem tido lucro com a realização dos chapéus e das malas?

 Na visão do negócio, esta não é uma fase de lucro, é uma fase de constante investimento. Quando é adquirida uma peça, é um investimento para criar outra peça e assim sucessivamente. Mas, efetivamente, as pessoas valorizam uma produção de qualidade, existe um processo e as vendas aconteceram. A palha ainda é associada a uma produção de verão e esta foi a minha primeira estação de verão, tendo vendido todas as malas. Por isso, neste momento, apenas produzo as peças que vão encomendando, pois apesar de a palhinha ter uma durabilidade enorme, não faz sentido fazer stock. Fiz recentemente uma encomenda para um hotel, para o grande Belmonte; no Ritz, foi interessante, o diretor apaixonou-se pelas peças e considerou que fazia todo o sentido ter algo com esta qualidade: no fundo é o melhor das duas ilhas – o bordado da Madeira e a palha de Porto Santo.

Por não ter uma formação em design, o facto leva-a a trabalhar mais em colaboração com as artesãs, tentando chegar à ideia da mala e do chapéu…

Muitas vezes o que se passa é ao contrário: embora eu não tenha uma formação em design, desenho as peças antes, idealizo-as. No fundo o trabalho com as artesãs é a transformação do desenho numa peça funcional. Elas desenvolvem a ideia original, que é minha, e seguimos daí para arranjar as soluções.

Principalmente nas últimas peças que eu estou a criar, manifesta-se a minha visão pessoal do que faz sentido ter atualmente. No fundo, é tornar as peças mais contemporâneas.

As vendas costumam ser feitas on-line?

Sim, a maior parte delas são feitas on-line. A divulgação pelo site e pelas redes nacionais tem sido notória, pela procura e pela divulgação. Mas a grande curiosidade das pessoas é o tato. Sentem a necessidade de tocar nas peças e perceber realmente a diferença.

Até agora, quem são normalmente os seus clientes?

Neste momento, devido ao facto de ser o primeiro verão, o mercado foi o mercado local da ilha. Mas, para além disso, tive vendas também em Lisboa e no Porto. Também houve muitos turistas alemães a comprar as minhas peças e tive o interesse deste grupo hoteleiro que referi.

Só experimentou até agora fazer chapéus e malas?

Existe a necessidade e o interesse de desenhar peças de decoração, mas acho que será uma segunda fase da marca assim como a preocupação em atingir o mercado europeu. Depois, então, pensarei em criar outras parcerias pois tenho todo o interesse em ter parceiros e trabalhar com outros designers.