Entrevista a Olavo Amado

ARTE

Artista são-tomense. Iniciou a sua formação artística na galeria Teia d´Arte,  fundada pelo artista plástico João Carlos Silva, onde frequentou workshops de pintura e desenho com o artistas senegalês Seiny Gadiaga e o brasileiro Jefferson Paz, entre 2002 e 2004.  Realizou residências artísticas em França, na Maison de Culture du Monde, 2007, em Amesterdão, na Buitenwerkplaats, STARNMEER, Amsterdão, 2011, em Nova Iorque naOMI – International Art Center, 2015 e, mais recentemente, no HANGAR – Centro de Investigação Artística, Lisboa 2018.Realiza regularmente exposições individuais, como a exposição “Leve Leve em Cenas”  no Centro Cultural Brasil-São Tomé e Príncipe, 2016, e tem participado em exposições coletivas internacionaiscomo, entre outras, “Het leven als labyrint”, (“A vida como um labirinto”), na Galerie 23, em Amsterdão, 2011 e  “Património(s)” no Museu da Cidade, Lisboa, 2012.

A sua exploração artística iniciou-se através de uma linguagem figurativa inspirada no quotidiano são-tomense, a qual se foi depurando numa linguagem abstrata cujo entrelaçamento de traços, linhas e manchas de cor fez transparecer a figura do labirinto. Esta – resultado de uma experiência vivida numa feira em São Tomé – tornou-se no fio condutor do seu processo criativo num constante jogo de experimentação e de abertura para múltiplos percursos interpretativos.

A sua não linearidade, o jogo de construção e desconstrução que permite, assim como o seu significado metafórico, enquanto símbolo da vivência insular, torna-se numa fonte da constante experimentação de outras derivas menos evidentes, onde se denota sempre a lucidez de um olhar crítico sobre o meio envolvente.

Neste entrevista, Olavo Amado reflete sobre a importância do labirinto no  seu processo criativo, sobre o papel das mulheres na sociedade cabo-verdiana  e, por fim, sobre a importância da crítica no seu trabalho.

Fale-me um pouco do teu trabalho, como se começou a interessar por este tema do labirinto?

O labirinto surgiu da vivência quotidiana que eu tinha na feira. Um dia, acabei por me perder. Estava lá dentro, andava por todo o espaço, mas não conseguia sair. Dessa experiência, ligada aquele momento e aquele local, surgiu a ideia de labirinto ….

Será, também, uma metáfora?

A experiência de quem vive num espaço isolado como uma  ilha pode, por vezes, despertar o sentimento de se estar  encurralado, como se estivéssemos dentro e uma labirinto. Daí  a necessidade de procurar saídas…

Retrata também, frequentemente, mulheres que estão a vender comida nas feiras…

São as vendedeiras ou comerciantes. De certa forma, elas evidenciam a forma de  ser e estar são-tomense. Poderíamos dizer que são a própria vida são-tomense, de certa forma, são mulheres batalhadoras, que lutam….

Fig. 1 – Olavo Amado, Sem Título

Considera essas mulheres uma espécie de “pilar” da sociedade são-tomense?

Sim, de certa forma. São um símbolo da luta, da vontade de querer mais e melhor.

Como explica então que hajam tão poucas mulheres a pintar ou a serem ativas de uma forma mais criativa, apesar de serem dignificadas pelos homens que as apreciam?

Penso que não podemos dizer que as mulheres são-tomenses não sejam criativas. Talvez não estejam é lutando suficientemente no domínio da arte, muitas não manifestam um interesse particular em expressar-se de forma artística.

Será uma herança do colonialismo haver pouca formação e, por isso, elas nem sequer pensarem nessa possibilidade?

As mulheres têm acesso à educação, portanto, a educação já está aberta às mulheres. A questão é que há muitas mulheres têm uma certa resiliência em entrar no mundo da arte, são aquelas artistas de quarto que dificilmente se apresentam e que têm, por vezes talento mas que ficam escondidas. Algumas entraram no mundo da arte. Nós tentamos encorajar, mas a dada altura elas acabam por desistir.

E há mulheres artesãs ?

Temos algumas, mas não num número considerável como gostaríamos. Muitas casam, têm filhos e acabam por desistir…

 Já fez algumas peças de design?

Eu tenho sobretudo instalações artísticas. Fiz algumas peças , mas apenas para uso pessoal. Mas alguns artistas daqui desenham também, por vezes, alguns móveis, como esse onde eu estou agora sentado. É uma mesa feita de estrado de madeira de alguns artistas que trabalham também como designers.

A sua linguagem artística começou por ser figurativa e depois passou a ser mais abstracta, como foi esse processo? 

Os trabalhos começaram por ser figurativos e com o passar do tempo foram-se desmaterializando numa linha mais abstracta, preservando, no entanto, sempre algum elemento figurativo.

Inspira-se no real?

Sim, mas também, no pensamento, nos sentimentos e no momento presente. São várias as situações que me inspiram e me motivam a trabalhar. Tento também estar sempre actualizado, o que me leva, também, para aquele campo da utopia transformadora da realidade que transporto para as telas.

Na última exposição que fiz neste espaço onde me encontro agora, na CACAU, Utopia Míope, os meus trabalhos já tinham uma linguagem mais abstrata. Nunca apresentei a minha arte como sendo uma arte são-tomense, a minha arte está aberta ao mundo. Algumas pessoas tentam fazer localização geográfica do artista, da arte, e isso, para mim, está errado. A arte é universal, não tem barreiras, aliás, ela existe para quebrar barreiras.

Atualmente, há muitas formas de arte que estão nos interstícios, como por exemplo, a instalação, está um pouco nos interstícios entre a escultura / pintura / arquitectura / fotografia. Que cruzamentos considera possíveis entre a arte, o design e o artesanato?

A meu ver, a arte é uma forma de expressão que difere muito de artista para artista. Há artistas que intersetam os domínios do artesanato e do design no seu processo criativo. A escultura é um bom exemplo pois uma área propícia a este cruzamento, havendo muitas esculturas que relevam muito do design e do artesanato. Portanto, há cruzamentos, mas depende sempre muito sempre do artista.

Como é o seu processo criativo, faz um esboço e depois vais alterando?

Sim, faço um esboço inicial e depois vou construindo, desconstruindo e criando, até chegar à ideia final. Excepto nos trabalhos totalmente figurativos, o processo criativo vai-se sempre alterando à medida que o trabalho se vai desenvolvendo. Normalmente, o trabalho tem a realidade como pano de fundo, mas o objetivo final da própria pintura é a minha forma de pensar ou de moldar essa realidade que surge nesse processo.

Esta pode ser uma pergunta um pouco repetida mas o que pretendes transmitir às pessoas? Uma pessoa quando pinta quer dizer algo que não pode dizer por palavras, há um sentimento, uma coisa que a pessoa quer transmitir e que não pode explicar por palavras, o que é que te persegue, o que te faz pintar?

O ponto inicial da minha pintura é a arte da pintura. As mensagens vão diferindo de quadro para quadro. Há alturas em que exprimem alegria, outras, tristeza…

É um estado de alma? Isto para os abstratos…Mas também vejo que nos figurativos te interessas muito pelas coisas do quotidiano…

É o quotidiano, é a crítica social, é a forma de falar pela arte, é o tal grito que surge dentro de mim próprio.

Um grito mudo?

Sim, um grito mudo.

De que forma é que fazes essa crítica social?

Nos quadros do labirinto, a crítica baseia-se muito nos temas, nos traços, nos títulos, nas cores.

Fig. 2 – Olavo Amado, Sem Título

Essa expressão está mais presente nos quadros abstratos?

Mesmo nos figurativos faço críticas. A crítica está sempre presente.

Portanto, também tens uma intenção de intervenção, de denúncia política?

Sim. Nós aqui dizemos que nem todos os sorrisos representam alegrias…

Fig. 3 – Olavo Amado, Bla,bla,bla again! 120 x 130 cm, acrílico sobre tela, 2015