Entrevista a Nuno Prazeres

ARTE

Nuno Prazeres é um jovem artista, natural de São Tomé e Príncipe e residente, atualmente, na Ilha de Santiago, Cabo Verde, onde realizou recentemente duas exposições individuais: “Um outro olhar sobre a Arte Vs Transcendência”, na Livraria Nho Eugénio, 2017, e “Interculturalidade contemporânea”, no Palácio da Cultura Ildo Lobo, 2018, ambos na Cidade da Praia.

O seu trabalho lança um olhar crítico à realidade atual, seja à situação das roças e à herança do colonialismo em São Tomé e Príncipe – como foi o caso do seu trabalho “O meu património a herança colonial versus turismo”, com que participou na  II Bienal de Arte e Cultura da Fundação Roça Mundo, 2002  ou da exposição “Estratos da sociedade contemporânea“, 2018- seja aos problemas trazidos pela globalização como os fluxos migratórios, a xenofobia e  a aplicação da tecnologia para interesses de lucro individual em detrimento do bem estar da sociedade.

Nesta curta conversa, Nuno Prazeres foca o modo como a vivência em São Tomé se espelha nos seus trabalhos,  em particular no seu trabalho “O meu património a herança colonial versus turismo”, 2014 e nas exposições “Interculturalidade contemporânea”e  Estratos da sociedade contemporânea”, ambas de 2018.

Quais são as suas fontes de inspiração?

Primeiro vou contar como comecei, participei na II Bienal de Arte e Cultura de São Tomé onde algumas pessoas faziam um workshop. Fui à galeria Teia D ´Arte onde havia workshops e apaixonei-me. Tive a sorte de ter também o senegalês Seeny Gadhiaga que tem muitos trabalhos na galeria Teia D´Arte. Eu tive a sorte de participar na II Bienal de Arte e Cultura da Fundação Roça Mundo com um trabalho cujo tema falava sobre as roças deixadas pelos colonos portugueses, queria chamar a atenção para algumas coisas boas deixadas por estes (fig. 1).

As fronteiras entre arte e artesanato aí são por vezes um pouco ténues…

Sim, o próprio artesão confunde muito artesanato com escultura. O nosso papel lá é tentar explicar que arte faz parte das artes plásticas porque é um trabalho único, original.

Mas também existem trabalhos artísticos que são concebidos para serem feitos em série, como fotografias, por exemplo, por isso é difícil fazer essa distinção…Quais são as suas principais influências?

Não sou fã de ninguém, gosto de ir pelo meu próprio caminho. Pinto há 16 anos, mas não vendo tanto. Também faço pinturas murais…

Onde costuma expor?

Recentemente, realizei uma exposição individual no Palácio de Cultura Ildo Lobo onde mostrei as minhas pinturas(fig. 2).

Existe algo específico das ilhas de S. Tomé que se reflita nos seus trabalhos?

O mar, a nação, a forma como é feita a má gestão do ambiente, das florestas, da fauna e da água. O ser humano tem vindo a destruir o ambiente, causando a poluição. Os barcos poluem o mar e a própria população não contribui para resolver o problema. Os são-tomenses são muito pacatos, mas têm geralmente falta de interesses. Neste contexto, tento refletir nos meus trabalhos um pouco do quotidiano do meu país.

Fale-me um pouco do teu trabalho com a casa e as caricas…

 É o trabalho com que eu participei na última Bienal, de 2014, que o financiou. A ideia surgiu-me a propósito da arquitetura que o colono deixou e que nós perdemos. Do meu ponto de vista, essa arquitetura podia ser utilizada para fazer algo interessante, reciclando-a. A ideia inicial era fazer um tapete, mas depois, ao longo do processo, foram surgindo outras ideias e aquele foi o resultado final.

Mas foi motivado, de início, pelo facto de as casas estarem abandonadas, ou surgiu-lhee essa ideia durante o processo?

Tenho uma forma diferente de pensar relativamente ao turismo em S. Tomé. A meu ver, devemos ter cuidado, devemos continuar a ser nós mesmo e não precisamos de trazer nada da Europa pois quem vem a São Tomé, vem procurar algo original em S. Tomé, e não o que não passa de uma imitação da Europa. No entanto, esta opinião, faz-me por vezes entrar em rutura com os outros.

Achas que a identidade de São Tomé é mais ligada a Africa do que à influência europeia trazida pelos colonos?

Nós temos uma maneira pensar e de estar muito própria…

Fig. 1 - Nuno Prazeres, Sem Título, 2010

Gosto muito desta pintura, pode falar-me um pouco dela?

Essa pintura é mistura de várias telas destruídas e depois reconstruídas a partir de outras. Representar a própria natureza em abstrato. Quis fazer um namoro e resultou nisso.  Adoro cores.

Fig. 2 - Nuno Prazeres, Interculturalidade contemporânea, 2018

Podia falar-me um pouco da sua penúltima exposição “Interculturalidade contemporânea”, no Palácio da Cultura Ildo Lobo, na ilha de Santiago, 2018?

A minha fonte de inspiração foram as pontes entre Cabo Verde e São Tomé e Príncipe e as possíveis pontes com o mundo. A meu ver, a interculturalidade é um processo da emancipação que implica o respeito pelas culturas. Nesse sentido, a arte desempenha um papel fundamental na conclusão, fazendo essa ponte entre as culturas, pois a arte não tem fronteiras. Os artistas plásticos contemporâneos estão cientes desse potencial da arte. Por outro lado, também pretendi chamar a atenção, de forma subtil, para a diferença, por exemplo, entre o modo como os guineenses são tratados e os europeus.

Os africanos em África têm menos oportunidades do que um europeu. É uma herança do colonialismo que faz com que em Cabo Verde haja um certo servilismo relativamente aos europeus, em especial, os portugueses. A elite cabo-verdiana tenta adotar os modelos europeus e renega a herança cultural africana, havendo poucos que criticam essas hierarquias.

Fig. 3 - Nuno Prazeres, Estratos da sociedade contemporânea, 2010
Fig. 4 - Nuno Prazeres, Estratos da sociedade contemporânea, 2010

No ano de 2018 fez duas exposições-para além de “Interculturalidade contemporânea”, realizaste também outra exposição “Estratos da sociedade contemporânea “  – tem tido alguns incentivos do Ministro da Cultura ou de alguma instituição?

Sim, as duas últimas foram em parceria com Ministério da Cultura através da Direção Geral da Cultura, e sobretudo com o apoio incondicional do pessoal da direção e do seu diretor, Dr. Adilson Gomes. O tema da exposição foi a estratificação racial da sociedade cabo-verdiana e o poder dos média e da globalização na perpetuação dessa estratificação.

Na sociedade são-tomense a situação é idêntica, ou acha que é menos estratificada?

Verifiquei que existe por parte dos dirigentes são-tomenses uma grande subserviência relativamente aos outros países mais poderosos dos quais estão dependentes.

Como foi o processo criativo nessas duas exposições que foram relativamente próximas? fez primeiro esboços, partiu de fotografias ou de algum objeto ou elemento da natureza como ponto de partida?

Eu inspiro-me em tudo o que vejo, no quotidiano; tudo o que observo e me comove interessa-me. As minhas obras são meus fragmentos. Normalmente, começo por pensar em algo, escrevo e depois desenvolvo em tela, mas não faço esboço. Adoro pintar, ou seja a minha inspiração conta com 90% de aspiração e 10 da inspiração.

É difícil ser artista em Cabo Verde?

Aqui em Cabo Verde cresci muito como artista, tenho conseguido exercer a minha atividade.

Neste momento estou a trabalhar na produção de um projeto multidisciplinar de arte contemporânea que englobará pintura, performance, vídeo-instalação e escultura, para homenagear a mulher, em particular a mulher cabo-verdiana. É um projeto meu. Convidei mais um artista plástico cabo-verdiano e dois bailarinos de dança contemporânea e uma artista de cariz conceptual. Quem me arranjou o local foi o Adilson Gomes. No projeto irão participar, entre outros, eu, o Carlos Lopes, outro artista plástico e a companhia Raiz Di Polon, através de Nuno Barreto e de Margareth da Luz. Título ainda não temos.

Boa sorte e obrigada.