Entrevista a Joana Dias

Artesanato

Joana Dias é natural de São Miguel, Açores, e licenciou-se em Design de Equipamento na Faculdade de Belas Artes de Lisboa.

Aprendeu a tecelagem com a artesã Lurdes Lindo que conheceu por ocasião de um atelier de intercâmbio entredesigners e esta artesã, promovido pela Cooperativa MaLA no atelier da artesã,e desde aí tem-se dedicado exclusivamente a esta atividade. Utiliza sobretudo a lã e o algodão, embora tenha vindo a desenvolver também experiências com fibras vegetais no tear. Da técnica da tecelagem deriva o prazer que tem pelo ir fazendo pelas mãos, prescindindo do projeto – parte integrante da ideia do designer tradicional. Do design permanece o seu fascínio pelo padrão, pela variação da repetição dos motivos e pelo preenchimento de um espaço virtualmente ilimitado.

Nesta entrevista, Joana Dias, fala-nos do modo como a paisagem da Ilha de Stª Maria, onde atualmente reside, se reflete na sua tecelagem e das características da tecelagem açoriana.

Em 2008, participou num atelier de intercâmbio entre designers e a artesã Lurdes Lindo, promovido pela Cooperativa MaLA no Museu Carlos Machado, onde aprendeu
a tecelagem. Podia referir-me as técnicas que 
lhe ensinou e os materiais que utilizaram?

Em 2008, participei num atelier promovido pela Cooperativa MaLA que decorreu no atelier da Lurdes. O objetivo era desenharmos peças que ela tecesse e que fossem de alguma forma inovadoras. Foi aqui que tive pela primeira vez um contacto tão direto com o tear. Há na minha profissão de designer uma coisa que não me agrada desde o início e que se prende com o facto de ter aprendido a projetar e a pensar o objeto, mas o meu verdadeiro gosto é construí-lo, não apenas pensá-lo. Daí que tenha sentido esta necessidade que foi quase imediata de aprender.

Deste atelier resultou uma peça (que não resultou!!!) que era suposto ser um tapete, mas que ficou muito alto e acabou por resultar quase como um brinquedo.

No ano seguinte consegui convencer a Lurdes a ensinar-me. Ela acedeu ao meu pedido e assim foi. A tecelagem demora muito a fazer e a aprender. Valeram-me os meus conhecimentos em malhas e a paciência da Lurdes Lindo.

Ela ensinou-me as técnicas base e o funcionamento dos teares.

Fig. 1 – Tecelagem de Joana Dias

De que modo se reflete a paisagem e o mar característicos da ilha de St.ª Maria, onde atualmente vive, na tecelagem?

Eu escolhi esta ilha para viver pois aqui tenho tempo, muito mais tempo para poder dedicar-me a fazer o que gosto. Tenho também tempo para não fazer nada e não me sentir culpada. Sou natural de S. Miguel. A vida aqui corre devagar. É um vagar muito bom para criar. Gosto especialmente do tom vermelho (almagre) que a terra tem, tão diferente do castanho-comum das outras ilhas. Gosto muito também das texturas fósseis que se vêm facilmente em qualquer estrada. São riscadas, em camadas. Para completar este quadro, o mar tem um azul muito mais claro que em qualquer outra ilha. Parece (quase) que estamos no Pacífico. Por último, quando fecha o nevoeiro, e fecha muitas vezes, para levantar forma-se o que se chama o nevoeiro orográfico que tantas vezes observo a elevar-se da serra. Derivado deste fenómeno também se formam arco-íris muitas vezes. Chega a haver dois ao mesmo tempo!!!

Fig. 2 – Tecelagem de Joana Dias

Tem tido intercâmbios com o continente a esse nível?

Não tenho tido intercâmbios. Sigo um grupo (na internet) complexweavers.

Quais são para si os elementos que mais caracterizam a
atividade da produção dos têxteis nos Açores (também ao nível da sua receção)? Encontrou alguma influência desses elementos no continente?

Em relação ao que mais caracteriza a tecelagem açoriana, houve em tempos uma tecedeira de Nordeste (da casa de trabalho) que me disse que havia apenas um repasso que elas dominavam. Eu acredito que sim e posso explicar porque acho que sim. Os teares usados têm um número fixo de liços nos quadros. Não dá para aumentar, ou seja não dá para fazer com que outro desenho resulte… Não posso confirmar isto, é apenas empírico, mas se virmos colchas antigas têm quase todas os mesmos repassos, os repassos possíveis para aquele enfiamento de tear e número de liços. E cada repasso tem o seu nome… Outro facto curioso, que não tem que ver com a tecelagem mas sim com as malhas, é o facto de as camisolas tradicionais feitas pelas senhoras aqui da ilha terem um número fixo de pontos para Homem ou Senhora. A mim parece-me que elas não faziam contas, havia uma conta que dava certo e era sempre usada a mesma (fosse o dono ou dona da camisola grande pequeno ou médio…). Faço-me entender?

Estes repassos que se vêm por cá são semelhantes aos continentais. Apenas variam no nome, tanto quanto me posso aperceber. Portanto, confere maior resistência ao tecido. Para perceber melhor em que consiste a tecelagem artesanal, feita com teares manuais, contactei uma artesã de S.ta Maria.

O facto de ter formação como designer contribui, é uma mais-valia para a sua atividade como artesã?

A minha formação como designer é um pouco a base do meu modo de pensar e de fazer quase tudo na minha vida. Permite-me por exemplo achar que na verdade não há grande inovação em tecelagem. A verdade é que há pouco saber técnico e uma inovação técnica para a tecelagem açoriana é uma técnica mais que conhecida noutras partes do mundo. O que acaba por se fazer aqui é um tecido de tear adaptado; depois os projetos de costura, que não inovam propriamente nem o modo de tecer, nem o próprio tecido. Inovam, sim, na aplicação do tecido do tear.